Obesidade e refluxo gastroesofágico: qual a relação entre estas doenças?

Obesidade e refluxo gastroesofágico: qual a relação entre estas doenças?

Obesidade
A prevalência de quadros de obesidade aumentou muito nos últimos 20 anos. O mesmo aconteceu com os casos de refluxo gastroesofágico. Esta relação não é casual e há uma interligação clara entre estas duas alterações de saúde. O refluxo gastroesofágico é uma das muitas doenças que se relacionam claramente com a obesidade. Por isso, este artigo tem como objetivo discutir o impacto do sobrepeso e obesidade sobre o refluxo, assim como o impacto na redução de peso sobre os sintomas e complicações desta doença gastroesofágica.
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Nos últimos dez anos vários estudos foram realizados para se justificar a piora dos sintomas de refluxo gastroesofágico e obesidade. Sabe-se hoje que pessoas com refluxo e que apresentam sobrepeso ou obesidade tem um índice de exposição à acidez gástrica cinco vezes maior do que aqueles com refluxo, mas com peso normal. Este aumento se refere tanto na intensidade do refluxo (tempo), como no número de episódios durante o dia. Estes dados são comprovados através de estudos específicos para o controle e diagnóstico do refluxo gastroesofágico, como a pHmetria de 24 horas e a impedanciometria. Isto por si só já mostra como o padrão de agressão ácida ao esôfago é maior naqueles com aumento de peso, o que é mais evidente quando o índice de massa corpórea (IMC) é maior que 30. Mas não é só o aumento de peso o responsável pela intensificação do quadro de refluxo, mas também o local onde esta gordura se deposita. Estudos mostram que o aumento da cintura abdominal (gordura abdominal ou visceral) tem relação importante com o refluxo gastroesofágico, e este é um dado de composição corporal que deve ser observado com atenção nos pacientes com refluxo. Além disso, os obesos costumam ter um padrão de refluxo também não ácido, que não respondem bem ao tratamento convencional com medicamentos que diminuem a acidez gástrica, o que torna o controle do peso ainda mais relevante. Também é importante realçar que algumas complicações do refluxo gastroesofágico como a esofagite erosiva, o esôfago de Barrett e o câncer de esôfago estão claramente associados ao aumento do índice de massa corpórea (IMC) e à obesidade.

Quanto ao mecanismo que relaciona a obesidade ao refluxo gastroesofágico, um estudo importante realizado com mais de 80.000 pessoas mostrou que o diâmetro abdominal, que representa a gordura visceral (órgãos abdominais), é mais relacionado ao refluxo do que o próprio índice de massa corpórea. Também é notório que o aumento da pressão abdominal gerado pela obesidade também se relaciona com um risco 2,5 vezes maior de se desenvolver hérnia de hiato, que representa uma alteração da anatomia normal da junção gastroesofágica, e que favorece o refluxo. Além do aumento de pressão na região abdominal, o que favoreceria o refluxo por si só devido ao aumento da pressão na junção entre o esôfago e o estômago (junção gastroesofágica), a obesidade deve ser considerada uma doença crônica, e que por isso tem a capacidade de gerar substâncias pró-inflamatórias, fazendo com que a incidência da esofagite (inflamação do esôfago) e esôfago de Barrett (alteração celular no esôfago, causada pelo refluxo) se torne ainda mais evidente nestes pacientes.

Quanto à dieta, o consumo frequente de alimentos gordurosos pelos obesos parece se relacionar claramente com os sintomas de refluxo e de esofagite. Por outro lado, a ingestão de fibras parece reduzir a presença dos sintomas. Estudos que avaliaram a fisiologia da região gastroesofágica mostraram que a gordura diminui o esvaziamento gástrico (aumentando a pressão no estômago) e diminui a pressão da na junção gastroesofágica (diminuindo a sua capacidade de válvula antirrefluxo), facilitando assim que o conteúdo do estômago reflua para o esôfago.

O principal objetivo quando se atende um paciente obeso e com refluxo gastroesofágico é primeiramente tratar a doença obesidade, fazendo com que a perda de peso leva à melhora da qualidade de vida, e também diminua todas as comorbidades associadas, como o diabetes e as doenças cardiovasculares. Quanto ao refluxo, é nítido que a perda de peso e controle da obesidade podem favorecer o controle dos sintomas do refluxo. Um estudo mostrou que a diminuição do índice de massa corpórea em 3,5 kg/m pode reduzir os sintomas em até 40% dos casos. Para a comprovação destes dados, pesquisas com exames específicos para o diagnóstico e controle do refluxo mostraram clara relação entre a perda de peso e a diminuição da exposição do esôfago ao conteúdo ácido refluído.

Uma associação particular é a do refluxo gastroesofágico com a obesidade severa (IMC>40). Tradicionalmente, este tipo de paciente já tem a indicação precisa de tratamento cirúrgico para o controle da obesidade, a cirurgia bariátrica, independentemente das comorbidades presentes. No entanto, a dúvida reside em saber se a cirurgia bariátrica traria benefícios no controle dos sintomas de refluxo. A resposta é sim, mas depende do tipo de técnica cirúrgica instituída. Assim, a cirurgia que se caracteriza pela confecção de pequena bolsa gástrica (técnica restritiva) associada à desvio do trânsito intestinal (técnica absortiva), também conhecida como técnica de Capella, é a que apresenta os melhores resultados. A técnica de Capella apresenta melhora importante dos sintomas em pacientes com refluxo gastroesofágico severo de forma muito significativa após 6 meses da realização do procedimento cirúrgico.

Através deste artigo foi fácil perceber que a obesidade e a dieta rica em gordura favorecem a presença do refluxo gastroesofágico, os seus sintomas e suas complicações. Por isso, é preciso que se tenha um bom controle dietético e de peso quando se pensa em tratar o refluxo. Desta forma, sugiro que pessoas que apresentem sintomas de refluxo gastroesofágico tenham um estilo de vida mais saudável e que procurem ajuda especializada tanto para o tratamento da doença digestiva, quanto da obesidade.

 

Dados do autor:
Dr. Fernando Valério
Gastroenterologista, Nutrólogo e Proctologista
São Paulo, SP
Consultas: particulares e Omint

Leia também:

01- Refluxo gastroesofágico e hérnia de hiato: sintomas e tratamentos

02- Esôfago de Barrett: medicação ou cirurgia?

03- Esôfago de Barrett: qual o risco real de câncer de esôfago?

 

Postado por:

Dr. Fernando Valério