Obesidade infantil: causas, riscos e tratamentos

A obesidade é uma doença endêmica em todo o Mundo, e no Brasil a prevalência desta doença metabólica e suas consequências cresce visivelmente. Sabemos que atualmente 54,1% dos brasileiros adultos está com sobrepeso ou é obeso. E o que mais preocupa é que as crianças também estão sofrendo com este mal, onde 15% das nossas crianças já estão acima do peso. Pensando apenas em crianças abaixo de 5 anos, 7,3% deste grupo etário já está afetado pelo excesso de peso. Segundo alguns dados recentes, a obesidade infantil aumentou 300% nos últimos 40 anos. Como médico, a preocupação é que as consequências da obesidade infantil são óbvias, com alterações psicossociais, endócrinas, gastrointestinais, ortopédicas e cardiorrespiratórias. Além disso, crianças acima do peso serão em 40% das vezes adultos obesos, enquanto 80% dos adolescentes obesos também manterão este padrão de peso na idade adulta. O objetivo médico imediato é identificar as crianças com sobrepeso e obesidade, orientar as famílias e ajudar no controle dos fatores de risco para doenças crônicas.

Como a obesidade e suas comorbidades se tornaram o maior desafio médico global quando se pensa em doenças que afetam crianças e adolescentes de todas as idades, a identificação dos fatores de risco é muito importante. Estes fatores são divididos em intrauterinos e pós-natais.

Fatores intrauterinos:

  • Diabetes gestacional
  • Hipertensão arterial materna
  • Excesso de ganho de peso materno durante a gestação
  • Alterações no crescimento fetal intrauterino (pequeno ou grande para a idade gestacional)
  • Exposição fetal ao cigarro e cocaína

 

Fatores pós-natais:

  • Introdução precoce de alimentos sólidos ao bebê (menos de 4 meses de idade)
  • Amamentação materna por período menor que 6 meses
  • Pais com excesso de peso
  • Excesso de tempo utilizando aparelhos eletrônicos (TV, videogames, tablets, celulares)
  • Relação materno-infantil frágil

 

A história alimentar e de peso dos pais e familiares deve ser associada à presença da obesidade infantil, já que padrões genéticos e comportamentais podem estar presentes. A evidência de que uma significante relação entre variáveis genéticas e comportamentais existe e já foi comprovada. Além disso, crianças com pais e familiares obesos costumam seguir os mesmos padrões dietéticos e alimentares, o mesmo gasto de tempo em frente à televisão e aparelhos eletrônicos, pouco prática de atividades físicas, o que explica a tendência de que toda a família esteja fora dos padrões de peso e comportamento alimentar adequados. Estudos recentes também mostram que alterações na flora intestinal (microbiota) poderiam explicar em parte a presença da obesidade infantil, já que as bactérias intestinais afetariam o processamento de nutrientes pelo intestino, além de gerar resposta imunológica e inflamatória que colaborariam com o desenvolvimento da obesidade. Uma explicação para que a flora intestinal se alterasse em crianças seria o uso de antibióticos em idade inferior a dois anos. Mesmo que a flora intestinal se recuperasse após o término do uso do medicamento, já poderia ter havido uma persistente alteração nos padrões de metabolismos e aspectos físicos da criança.

A definição mais clara da obesidade é o excesso de massa gordurosa. A principal maneira como se identificam as crianças com excesso de peso são as medidas antropométricas, que utilizam o peso e altura. Outras formas de medida, como a densitometria, bioimpedância e ressonância magnéticas não são utilizadas rotineiramente na prática clínica para a avaliação de crianças. Por isso, métodos como o índice de massa corpórea e medidas da circunferência abdominal e pregas cutâneas são praticamente os métodos exclusivos de medida. Após a realização destes cálculos, os dados devem ser aplicados a curvas que consideram a idade da criança. Ou seja, índices de massas corpóreas podem ser considerados normais ou não dependendo da faixa etária. E mesmo que este método de avaliação não defina a massa muscular, óssea e gordurosa de maneira individualizada, o seu padrão de resultados é bem aceitável e compatível com a realidade na maior parte dos casos.

Quando se identifica e se comunica o excesso de peso em crianças é sempre importante que o médico fique atento ao estigma que este diagnóstico trará. Crianças “gordas” são comumente associadas à comportamentos preguiçosos, à falta de atratividade e até mesmo, estupidez. É por isso que médicos, nutricionistas e familiares devem entender e estar sensíveis aos sentimentos que a criança demonstra de vergonha, falta de motivação e até mesmo de depressão frente a um problema físico aparente. Os pais não devem se sentir julgados e criticados quando os seus filhos recebem o diagnóstico de sobrepeso e obesidade, e sim colaborar com a equipe de saúde para que o seu filho se trate de maneira adequada e responsável. O sentimento de culpa não ajuda a qualquer parte durante o processo, seja a criança ou os pais. Por outro lado, médicos não devem apenas explicar sobre a doença, mas também propor cuidados e tratamentos.

Além do óbvio efeito estético que o sobrepeso e a obesidade causam, há ainda uma enormidade de complicações relacionadas a esta doença. São elas:

  • Psicossocial: distúrbios de autoimagem, vitimização, baixa autoestima, prejuízo na socialização, ansiedade, sintomas depressivos e distúrbios alimentares comportamentais.
  • Cardiovascular: dislipidemia (aumento de colesterol e triglicérides), hipertensão arterial, desenvolvimento de placas de atero-esclerose precocemente.
  • Endocrinológica: aumento de insulina, pré-diabetes, diabetes tipo 2, síndrome metabólica.
  • Respiratória: apneia do sono.
  • Gastrointestinal: esteatose hepática (gordura no fígado).
  • Ortopédicas: dores articulares em membros inferiores, piora na mobilidade.

 

Quanto ao tratamento, obviamente ele exige uma mudança de estilo de vida da criança, e provavelmente, de toda a família. Melhores escolhas alimentares, orientação quanto à horários das refeições e definição das porções dos alimentos são sempre medidas necessárias. Uma medida didática criada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos é a regra do 5-2-1-0, que corresponde às seguintes orientações.

  • 5 ou mais porções de frutas, verduras ou legumes ao dia.
  • 2 horas ou menos de televisão ou videogames ao dia.
  • 1 hora ou mais de alguma atividade física.
  • 0 (zero) consumo de bebidas e alimentos adoçados com açúcar.

 

Os resultados quando se realizam estas medidas comportamentais de média ou alta intensidade costumam ser efetivos na redução do índice de massa corpórea em um período de 12 meses. Alguns estudos mostram que após a reeducação alimentar esta adequação do peso pode ser duradoura. Em casos extremos, quando não se consegue que medidas comportamentais sejam instituídas, quando estas não atingem os resultados esperados ou quando não se consegue controlar as complicações decorrentes da obesidade, o uso de medicamentos pode ser necessário. Atualmente, os Estados Unidos liberaram apenas o uso do orlistate como tratamento medicamentoso específico para crianças. Mas no caso de crianças com pré-diabetes ou diabetes, medicações que reduzem a glicemia (hipoglicemiantes) podem ser usados. Alguns estudos sugerem alguma redução de peso com o uso destas medicações. Nas crianças em que a esteatose hepática gerou um processo inflamatório no fígado (esteato-hepatite), o uso de suplementos de vitamina E tem sido proposto.

Quanto à cirurgia bariátrica, este método de tratamento mais radical tem espaço em adolescentes, mas desde que estes sigam regras rigorosas de indicação do procedimento. É preciso sempre reforçar que esta cirurgia visa o controle de comorbidades e complicações causadas pela obesidade, e não deve ser usada como um artifício estético. Dentre os critérios de inclusão para a realização da cirurgia estão a falta de resultado com medidas alimentares e atividade física, a capacidade do adolescente em decidir comprovada, ter maturidade psicológica, ter índice de massa corpórea maior que 50 ou maior de 40 com comorbidades associadas (hipertensão arterial, diabetes, apneia do sono), ter a capacidade de entender as consequências da cirurgia, ser capaz de aderir a programas de adequação de estilo de vida após a cirurgia, e no caso da meninas, não engravidar por um período de até um ano após o procedimento.

Acredito que com este artigo consegui passar informações que lhes comprovem a gravidade do que significa uma criança estar com sobrepeso ou obesa, as suas consequências, além de algumas medidas e orientações para que esta doença possa ser tratada de maneira correta e duradoura. Obviamente estas crianças precisam ser acompanhadas por profissionais habilitados e que trabalhem juntamente com as famílias para que bons resultados sejam atingidos.

Dados do autor:
Dr. Fernando Valério
Gastroenterologista, Nutrólogo e Proctologista
São Paulo, SP
Consultas: particulares e Omint

Postado por:

Dr. Fernando Valério