Os Cavalos de Tróia da modernidade e a falta de privacidade

Os Cavalos de Tróia da modernidade e a falta de privacidade

O Cavalo de Tróia é um mito da Literatura grega escrito por Homero em sua obra “Ilíada”, e conta a história de umas das maiores táticas de Guerra e de abordagem a um inimigo já relatadas em todos os tempos. A Guerra de Tróia se iniciou quando Páris, o Príncipe de Tróia, apaixonou-se pela princesa grega Helena, e a sequestrou. O grande problema é que Helena era casada com o Príncipe Menelau, que enfurecido com a situação, convocou os melhores guerreiros e príncipes gregos para invadirem Tróia. Esta guerra durou dez anos, até que Ulisses teve a genial idéia de criar o Cavalo de Tróia, que era um enorme animal de madeira, que continha em seu interior uma grande quantidade de soldados gregos, entre eles Aquiles, que tinha como seu ponto fraco o calcanhar, e acobou sendo morto. Desta forma, o grande cavalo foi deixado em Tróia como um presente grego (daí a expressão “presente de grego”) como forma de rendição. Os troianos, por sua vez, colocaram o cavalo para dentro das suas muralhas, e comemoraram durante toda a noite. Quando os troianos já estavam muito cansados e bêbados, os soldados gregos deixaram a barriga do animal e invadiram Tróia, resgatando a Princesa Helena. Obviamente, nos dias de hoje ninguém receberá um cavalo de madeira em sua porta, mas outras formas de recebermos os “presentes de gregos” e de termos a nossa privacidade invadida estão por toda parte.

Você já deve ter recebido um telefonema com uma moça muito animada, em um Sábado ou à noite após um dia de trabalho, querendo lhe vender uma ótima promoção de cartão de crédito, ou convidando você a ser correntista do banco para o qual ela presta serviços.  Ou ainda, uma operadora de celular que se diz muito melhor do que a sua, sendo que todas têm enormes problemas de sinal e de atendimento. O pior é que se você disser que está satisfeito com o seu Banco ou com a sua operadora não vai adiantar muito, pois a ladainha está só começando. Será que estas empresas não percebem que se tornam inconvenientes, e que nos fazem ter lembranças ruins a seu respeito. Posso lhes dar um exemplo, sou praticamente atacado por vendedores do Banco Santander, que rastreiam os meus horários em casa, mesmo aos finais de semana. Jamais terei uma conta deste banco simplesmente por não respeitarem os meus horários de descanso e com a minha Famíla.

Estas empresas deviam aprender um pouco com o Google, que tem como lema a frase “não faça o mal”, e é por isso que jamais recebemos e-mails ou telefonemas desta empresa. E não é por isso que o Google perde clientes, pelo contrário, já que em janeiro de 2009 ele foi o site de busca escolhido por 95% dos usuários brasileiros, e mesmo sem invadir a nossa privacidade com marketing exaustivo, já pode até mesmo ser considerado uma monocultura. A razão disto, o Google é eficaz, e pronto! Saiba que eu complementei o meu conhecimento sobre Homero, Ilíada e Cavalo de Tróia através de pesquisa no Google, mas não liguei para qualquer banco ou operadora de celular.

Outra especialista em “presentes de grego” são as TVs por assinatura, que tentam lhe vender planos mais caros, aumento de velocidade de Internet, e agora telefones, como se você estivesse atrasado em relação ao Mundo, e que a solução estaria à sua disposição. No entanto, tente falar com eles em uma queda de sinal da TV ou Internet, ou pior, tente discutir com estas empresas a sua conta. Com certeza você terá que ouvir algumas “musiquinhas” durante alguns minutos (já não existe Lei para isto no Brasil?), fora a sensação de que está incomodando o funcionário com os seus questionamentos. Neste momento aquela moça simpática que quer lhe dar os cavalinhos da modernidade sumiu, desapareceu, e restaram só os soldadinhos prontos para lhe agredir.

Ah, e o celular, este sim, um dos maiores Cavalos de Tróia da nossa geração. Como a nossa privacidade foi alterada por este pequeno ser. Quanto a mim, como médico, sei que ele é uma necessidade e estou muito habituado com esta situação, já que doença não marca horário, e é por isso que todos os meus pacientes têm o meu número, que por sinal é impresso em meu cartão. Mas eu tenho pena daqueles que são perseguidos por chefes em suas horas de lazer ou em momentos pessoais. Em meu consultório observo como as pessoas são acionadas pelo celular sem qualquer justificativa, como se fossem alvos fáceis. Você, assim como todos os mortais, já deve ter levado uma bela bronca porque o seu celular estava fora do ar ou sem bateria, como se você fosse obrigado a estar disponível 24 horas por dia. É claro que o celular é um ótimo instrumento de comunicação e até mesmo de segurança, mas deve haver uma certa etiqueta quando se resolve abordar alguém, mesmo que seja um amigo ou familiar.

Saibam que este é comportamento invasor é comum em todas as partes do Mundo, tanto que os Estados Unidos criaram uma lei chamada “Do not call” (“não me liguem”) em 2003, que é uma lista de pessoas que não querem receber ofertas de telemarketing por telefone, e para as quais as empresas estão proibidas de ligar sob a pena de pagar pesadas multas a cada telefonema. No Brasil, a discussão também se fez ouvir, e a Associação Brasileira de Marketing Direto (Abemd) divulgou o lançamento de um cadastro semelhante, chamado “Não quero receber ofertas”. Em outubro de 2008, o Estado de São Paulo sancionou a Lei do Cadastro para o Bloqueio do Recebimento de Ligações de Telemarketing, medida que visa coibir ligações telefônicas de telemarketing ativo, muitas vezes invasivas e sem critério de horários. Será que está lei será respeitada, ou será daquelas que “não pegam”?

Este artigo é dedicado ao meu cunhado Roberto, que chama o seu celular de Cavalo de Tróia, evita fornecer o número, não carrega a bateria do celular, e torce para entrar em uma zona sem sinal. Com certeza ela já ouviu muito desaforo por causa disto, inclusive alguns meus, mas com certeza ele tem razão em (tentar) preservar a sua privacidade. Todos nós teremos que definir o limite entre os benefícios da comunicação fácil com a capacidade de manter a nossas individualidades.

Postado por:

Dr. Fernando Valério